02/07/2010
Feminino, Singular
Sou composta por cubos e por esferas
donde brotam meigos decaedros
sou composta por trapos, manchas de tinta sem plano
e dedos rupestres a castanho,
o ocre na vizinhança do rosado, o pó de lápis-lazúli
na clara de ovo, o vermelhão nos seios,
sou composta de diálogos frouxos, de troncos
de árvores em pleno Verão,
das ternuras de um gato preto e branco, de insectos
de níquel a voar brilhando, sou composta
de pêlos que caem no outono e águas duras.
Sou composta por mãos que doem nos braços e
por regaços com olhos sempre à superfície,
sou composta de estrelas na tapeçaria do palácio, de gritos
na rua – quem me chama? –,
de nuvens de hélio e náiades em gaiolas, facilitam
a visão, as trocas, o comércio com os homens,
sou composta pela morte que de vez em quando acorda,
por isso desconfio, sou composta pelo desejo que grita
de tal modo que não se ouve ao perto,
sou composta pela água que oscila com as marés, pelo
vapor da submissão, pelo destino obstinado.
Ou eu não fosse uma mulher.
By Isabel Cristina Pires
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