01/02/2012

Hoje...Camões...


Qual terá culpa de nós
neste mal, que todo é meu?
Quando vindes, não vou eu;
quando vou, não vindes vós.


Um mover de olhos, brando e piadoso,

Um mover de olhos, brando e piadoso,
Sem ver de quê; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravíssimo e modesto;
Üa pura bondade, manifesto
Indício da alma, limpo e gracioso;

Um escolhido ousar; úa brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento:

Esta foi a celeste fermosura
Da minha Circe, e o mágico veneno
Que pôde transformar meu pensamento.


Pois meus olhos não cansam de chorar

Pois meus olhos não cansam de chorar
tristezas, que não cansam de cansar-me;
pois não abranda o fogo, em que abrasar-me
pôde quem eu jamais pude abrandar;

não canse o cego Amor de me guiar
a parte donde não saiba tornar-me;
nem deixe o mundo todo de escutar-me,
enquanto me a voz fraca não deixar.

E se em montes, rios, ou em vales,
piedade mora, ou dentro mora Amor
em feras, aves, prantas, pedras, águas,

ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor;
que grandes mágoas podem curar mágoas.


Pensamentos, que agora novamente

Pensamentos, que agora novamente
cuidados vãos em mim ressuscitais,
dizei-me: ainda não vos contentais
de terdes quem vos tem tão descontente?

Que fantasia é esta, que presente
cada hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser contente?

Vejo-vos, pensamentos, alterados;
e não quereis, de esquivos, declarar-me
que é isto que vos traz tão enleados?

Não me negueis, se andais para negar-me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar-me.


by Camões

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