09/01/2013
Os olhos rasos de água
Cansado de ser homem durante o dia inteiro
chego a casa com os olhos rasos de água.
Posso deitar-me ao pé do teu retrato,
entrar em ti como num bosque.
É hora de fazer milagres:
posso ressuscitar os mortos e trazê-los
a este quarto branco e despovoado,
onde entro sempre pela primeira vez,
para falarmos das grandes searas de trigo
afogadas na luz do amanhecer.
Posso prometer uma viagem ao paraíso
a que se estender ao pé de mim,
ou deixar uma lágrima nos meus olhos
ser toda a nostalgia das areias.
É hora de adormecer na tua boca,
como um marinheiro num barco naufragado,
o vento na margem das espigas.
in: As Palavras Interditas by Eugénio de Andrade
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