Falar tão baixo que ninguém ouça, escrever tão pequeno que ninguém leia, esvaziar tanto os ouvidos e os olhos que me achem sumida no chão que piso.
***
Ao longo de todo o trajecto há pássaros
caídos. E este som, só meu, enchendo as ruas por onde passo com as
palavras que não escrevi e que temo nunca escrever. Casa será sempre
este espaço menor em que dou outros nomes à cidade, não vá a manhã
surpreender-me e o espelho contar-me o número de paralelos com que o meu
rosto foi reconstruído a partir desta noite.
***
Voltar só é possível até um certo ponto. Regressa-se e regressa-se à
possibilidade possível, e o que não é possível, o voltar à forma
original, embrionária de colo materno, mantém-se na linha questionável
deste horizonte que os braços podados das videiras já não podem
alcançar. Resta-lhes isto, o corpo metafórico de uma ideia que apenas
existe como forma de dizer: — já é noite há tanto tempo.
***
Não sei de músicas que acalmem os pássaros, nem sei de pássaros que amanheçam no sangue ou de beijos dados no pulso para chegarem ao coração. Não sei de nada que tenha voo, cor de tempo – vermelho, sempre vermelho, como odeio vermelho –, ou de como se nasce das pedras. Muito embora tenha caminhado sobre elas, pressinta cores dentro do peito e goste de olhar muito acima da copa das árvores só pela ideia de que, ao contrário dos pássaros, as estrelas me durarão o futuro todo. E se me falam de músicas, sangue ou beijos, sorrio e fecho o rosto, porque nunca gostei do que não me durasse mais do que este instante
by Beatriz Hierro Lopes
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