27/04/2009

A Hora da Partida



A hora da partida soa quando
Escurece o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça.
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida.



Sophia de Mello Breyner Andresen

24/04/2009

Convida-me Só Para Jantar





Convida-me só para jantar

E não queiras depois fazer amor.

Convida-me só para jantar

num restaurante sossegado

numa mesa do canto

e fala devagar

e fala devagar

eu quero comer uma sopa quente

não quero comer mariscos

os mariscos atravancam-me o prato

e estou cansada para os afastar

fala assim devagar

devagar

não é preciso dizeres que sou bonita

mas não me fales de economia e de política

fala assim devagar

devagar

deita-me o vinho devagar

quando o meu copo já estiver vazio.

Estou convalescente

sou convalescente

não é preciso que o percebas

mas por favor não faças força em mim.

Fala, estás-me a dar de jantar

estás-me a pôr recostada à almofada

estás-me a fazer sorrir ao longe

fala assim devagar

devagar

devagar.




Ana Goês
In: 366 poemas que falam de amor







21/04/2009

Ah o vento


[Ah o vento

sempre o vento

Agita-me a alma]



Voltas, e voltas

neste rodopio...

Corrupio

Que arrepia

E pia

Peando, sem sentido


Dia-a-dia

Chia!


Mir



NOTA:



Peando, com “e”, vem do verbo pear, que por sua vez deriva de peia. Peia, é uma corda, que antigamente se usava para atar as patas dos animais. Assim, num sentido figurado, pear assume o significado, de embaraço, obstáculo, empecilho, castigo… (tudo isto são termos que caíram em desuso)

Pia, do verbo piar, significa pio, mas também exprime a ideia de queixa, lastimo…

Chia, do verbo chiar, significa, fazer chios, mas também pode significar lamento, choro, cólera…

Tentei explicar (mais ou menos) a minha linha de pensamento quando escrevi o poema.


Tenho consciência que entender um poema às vezes é difícil, mas eu gosto de palavras, e dos seus múltiplos significados…



18/04/2009

I dreamed a dream

Depois de um pequeno "chat" com a "princesa", esta foi a lição que aprendi hoje:

"Não avalies um livro pela capa, aprende primeiro a ler o que tem dentro"




Agora ouve esta, foi gravada em 1999, para uma obra de caridade..."Cry Me a River", grande voz... dá que pensar...


(Aliás só podia ser Brilhante, afinal aqui a Susan gosta de gatos!!)


Esperemos então, que o sonho se torne realidade!

15/04/2009

FALA!



Fala a sério e fala no gozo
fa-la p'la calada e fala claro
fala deveras saboroso
fala barato e fala caro

Fala ao ouvido fala ao coração
falinhas mansas ou palavrão

Fala a miúda mas fala bem
Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe

Fala franciú fala béu-béu

Fala fininho e fala grosso
desentulha a garganta levanta o pescoço

Fala como se falar fosse andar
fala com elegância muita e devagar


In: No Reino da Dinamarca de Alexandre O' Neill




Quando falar é imperativo…

Ora cá está, finalmente um poema que me assenta que nem uma luva!
P'ra alguém tão falador quanto eu… eheheh…


(a verdade, é que discurso directo nunca foi o meu forte)



... maentão, se se fala, como se falar fosse andar, então eu falo exactamente como ando...
...muito desajeitadamente !...

Ah! eu gostava que os meus passos, fossem....

....passos de bailarina...

13/04/2009

Pássaro Negro





Ei-lo ainda e sempre

..........uma outra vez

grande pássaro negro

.........................abate-se

surge a pairar com a sua sombra

................................imensa

......................que tudo impregna

...........que tudo envolve

......................que tudo cobre

.............tudo acolhe

sob o seu manto protector

feito de noite e de escuridão

uma angústia indefinível toma posse de mim

uma consciência aguda

....................violenta

..............dolorosa

da profunda solidão

que me rodeia

na qual estou imerso

.................embebido

............submerso

.................afogado

por mais voltas e voltas que dê

por mais gestos e movimentos que esboce

não consigo sacudir esta sombra descomunal

.................................este negrume

que se infiltra por todos os interstícios

da minha alma

as noites prolongam-se sobre as noites

todas elas imensas

.............infindáveis

a cama nunca me espera

nunca nada me espera

sou sempre eu a esperar

..a esperar por nãoseioquê

................pelo que não existe

pelo que não há

................pelo que não vem

por vezes a minha cama tem quatro rodas

move-se vertiginosamente pelo asfalto

outras vezes permanece imóvel

debaixo de um plátano

na lateral de uma qualquer rua deserta

ah... vontade imensa de sacudir esta pele

de me metamorfosear

num outro (qualquer) eu

....não importa qual

.....desde que outro

que angústia

se apossa de mim

.......se entranha

..........se insinua

consciência súbita

da quantidade de mar

que separa a minha árida

................pequena ilha

de todos esses imensos continentes

na direcção dos quais estendo avidamente

as mãos os braços

..........os lábios

..........todo o meu ser

sem que contudo almeje sequer

vislumbrar

.....alcançar

um (outro) árido pedaço

de uma qualquer (outra) realidade

com a qual me possa ao menos

sentir levemente solidário

........dou-me desesperadamente

dou-me furiosamente

........dou-me violentamente

a todos os dias estúpidos

...que se sucedem

.........que giram rodopiam

perante a minha alma assombrada

com a velocidade

........o ritmo frenético

..................estonteante desenfreado

com que se move o resto do mundo

...dói-me a realidade

...doem-me as ruas desertas

os letreiros de néon da cidade

.......dói-me a alma

......doo-me eu mesmo

ergo os olhos para o alto

.........se o meu destino é a cruz

.........porquê a angústia da via sacra?

dou-me incessantemente

........até ao limite até ao tutano

........até nada mais me restar

senão esta sombra

.....esta negritude por onde comecei

este devaneio

.......pássaro negro

pássaro triste

............pássaro louco

pássaro tonto

..............pássaro desvairado

que sucessivamente

persiste insiste

em voar teimosamente

................como uma seta

em estatelar-se

violenta e aparatosamente

contra estes muros

............imponentes

............altivos

............imóveis

............inexpugnáveis

..........de frio

................sólido

.........impiedoso

e implacável

...............granito...


Poema de Luis Beirão


Video for "The Owl" created by Emmanuel Ho from the album Fear Is On Our Side by I Love You But I've Chosen Darkness on Secretly Canadian

07/04/2009

Estás aqui para ser feliz!!

Porque não consegui ficar indiferente a este anuncio…pelos lugares que me faz visitar e as recordações…

… pela Phantasia, com sabor a maresia…







Aqui fica o poema “Ser Feliz”:


Ser feliz

é maravilhoso

É como ter

um balão dentro de ti

e o balão está cheio

de ar quente

tu ficas mais leve e quase a voar

Às vezes podes ser feliz

quando estás só

Quando a Primavera chega de repente

E tu navegas no primeiro barco à vela do ano.

ou quando caem os primeiros flocos de neve

do Inverno

e tocam docemente a tua cara molhada

quando começas a pensar em alguém

que gosta de ti

ou quando um amigo defende

o que tu disseste ou fizeste

Às vezes sentes-te feliz

juntamente com os outros

quando estiveste longe

e houve alguém que esteve à tua espera

ou quando uma pessoa diz um segredo

que só nós sabemos

Quando sentado quieto

junto de outra pessoa

compreendes que ambos são amigos.

És feliz

quando consegues finalmente fazer alguma coisa

que devias fazer mas não ousavas

Mas ficarás mais feliz do que nunca

quando tornares feliz outra pessoa.

Quando visitares alguém que está sozinho

e tiveres tempo para ficar lá muito tempo.

ou fizeres alguma coisa por alguém

que foi duramente magoado

Então o balão sobe

redondo de alegria

e voa até tocar o Céu.



:+)



Poema de Leif Kristiansson, vídeo by Coca-Cola

05/04/2009

É Assim a Música



A música é assim: pergunta,
insiste na demorada interrogação
- sobre o amor?, o mundo?, a vida?
Não sabemos, e nunca
nunca o saberemos.
Como se nada dissesse vai
afinal dizendo tudo.
Assim: fluindo, ardendo até ser
fulguração – por fim
o branco silêncio do deserto.
Antes porém, como sílaba trémula,
volta a romper, ferir,
acariciar a mais longínqua das estrelas.



in:"In Os Lugares do Lume", Eugénio de Andrade

02/04/2009

página legível quase ilegível




página legível quase ilegível


nuvens súbitas asas rompendo a luz
aves
terra sobre as páginas do caderno de capa preta
tinta manchas de ar frio

agulha pulsando nas veias
lenta
lentamente

as palavras sujas com dedadas
estão assinaladas em itálico e

soltas a um canto rasgado da folha

estavam rabiscadas estas frases:

o tempo encoberto para lá das brancas portas
quase sempre fechadas...
...apesar disso conheço o momento propício
à fuga
à morte do albatroz que perdeu a rota...
...o avermelhado das luzes de vigia
a terra enegrecendo-se sob a sombra espessa das
aves...
...nuvens pesadas rubras

vibráteis...


...não percebo dentro de momentos é cedo ainda para matar as palavras...
será sempre cedo nas moradas do meu silêncio?


in: "O Medo", Al Berto

01/04/2009

Para Nunca Mais Mentir




Para ver

Para dar

Para estar

Para ter

Para ir

Pra ouvir

Pra sorrir e entrar

Para rir

Pra voltar

A tentar

Pra sentir

E mudar

Pra voltar a cair

Para me levantar

Para nunca mais tentar

Mentir

Pra crescer

Para amar

Para ser

O lugar

Pra viver

E gostar

De gostar

De viver

Pra fugir

Pra mostrar

Pra dizer

Pra ter paz

Pra dormir

Pra fingir acordar

Para ser

Derramar

Para nunca mais tentar

Mentir




in: "O Monstro Precisa de Amigos" Ornatos Violeta