01/08/2009

Poema de Um Homem Só





Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.


Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem


Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.


Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.


Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.


in "Teatro do Mundo" de  António Gedeão

2 comentários:

princesa... disse...

O nosso verdadeiro EU, o nosso interior, será sempre desconhecido para os outros. Assim como o interior dos outros nos será sempre desconhecido.
Nascemos sós e morreremos sós.

Mir disse...

Este poema é lindo, não é?

Concordo contigo, concordo com o poema, mas gosto de acreditar, que nesta minha caminhada,há sempre alguém que conhece bocadinhos de mim, e gosto ainda mais de acreditar que conheço pedacinhos de todos aqueles que fazem parte do meu Universo! Mas o meu Sentir, é Só meu e de mais ninguém...

beijo bigue